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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

segunda-feira, julho 13, 2015

Transfobia nossa de cada dia

Para uma mulher transexual, madura e feminista é duro ver como vão as coisas que me rodeiam. Desde os comentários ignorantes ao que uma mulher trans supostamente é, passando pelas incalculáveis vezes em que sou tratada como "o senhor", até às propostas de entrevistas em que, passados mais de dez anos em que sou activista, continuam a ser as mesmas. Ou seja, a transição de género é tão, mas tão complicada na cabeça das pessoas, que quase ninguém parece entender (ou querer entender) quem nós somos na realidade.

E a tudo isto chamo de transfobia generalizada e interiorizada. Basta ver que se eu fosse uma mulher cisgénero ninguém me tratava como na realidade tratam. Não me diziam nem metade das barbaridades que dizem, não me humilhavam por ser trans. Não me faziam as eternas perguntas que não se devem nunca fazer a uma pessoa trans, sendo que a principal e a que nunca falha é a "já foste operada?" ou a afirmação do "já és operada". Convém frisar aqui que esta "operação" é a cirurgia de correcção sexual. Sim, parece que há uma obsessão sem limites por parte de pessoas que conheço, de pessoas que não conheço, de jornalistas e por aí fora, pelo que tenho no meio das pernas.

Outra muito boa é "de certeza que me compreendes muito melhor que uma mulher, visto que já foste homem". Credo! Nunca fui homem, graças a deus ou a quem me fez as orelhas! Mas este discurso pseudo-machista ridículo é muito frequente, visto que supostamente eu transitei de um género para o outro. Digo supostamente, porque o que se passou comigo não foi mais do que uma afirmação visual acima de tudo, daquilo que eu sempre fui: uma mulher! Logo, se eu "sou operada", ninguém tem nada a ver com isso. Não nasci homem, nasci um bebé ao qual foi dada essa definição, não pela identidade de género, mas pela genitália com que nasci. E não, nunca vou compreender um porco machista, simplesmente porque não sou homem e não vejo o mundo da mesma forma quadrada que ele.



Quanto às entrevistas, dei a minha primeira por volta dos 31, 32 anos. Tenho 44 agora. Foi para uma revista conhecida na nossa praça e foi feita por uma jornalista com muito tacto, sensibilidade e aprumo. As fotos foram tiradas por uma excelente fotógrafa e o resultado final desta reportagem sobre transexualidade feminina não podia ser melhor. O busílis da questão é que, passados estes anos todos, o respeito com que sou tratada pelos jornalistas é inferior ao com que fui na altura. Por um lado, as questões que falei acima, da cirurgia de correcção sexual, processos clínicos, vida amorosa, etc, são sempre tratados como se eles tivessem o direito a imiscuir-se na minha vida privada. E as questões realmente importante, como a despatologização trans, a luta pelos nossos direitos, que são direitos humanos, a nível de trabalho, saúde, justiça, nunca, ou raramente são tratados. Salvo raras excepções, só houve mais umas duas entrevistas que gostei de dar, sendo que uma delas foi a última que dei, ainda este ano: "Nasci mulher: o testemunho de uma transexual portuguesa".

A mediatização das pessoas trans está mais forte do que nunca lá fora, mas também aqui em Portugal. Cada vez mais pessoas dão a cara, o que é excelente, e falam de sua justiça. Mas o problema é que não há uma comunidade trans. Não há por diversos motivos, sendo que os principais são as eternas guerrinhas pelo suposto mediatismo e o que se acha que se pode ganhar com isso. Outra é quem é a favor ou contra a despatologização, por exemplo. E assim acabam por ficar pequenas ilhas de pessoas, que, convém frisar, já pertencem à minoria dentro das minorias, em vez de um grupo coeso e com força para lutar dentro de uma comunidade LG (Lésbica e Gay) cada vez mais adversa às questões trans, e à sociedade em geral, que nos continua a ver como aberrações da natureza e freaks.

E quanto mais vejo, mais me convenço de que estas arestas nunca vão ser limadas, muito antes pelo contrário, e o fosso entre as pessoas trans em si será cada vez maior. Socialmente então é uma desgraça completa. No que a mim me diz respeito, já evito inclusivé sair de casa só para não apanhar uma camada de nervos com a estupidez, ignorância e mal-formação das pessoas. Não suporto tricas e fofocas e isso é o que mais acontece, levando a que eu entre num café e toda a gente se cale e fique a olhar para mim. Não admira que se diga que Portugal está no cú da Europa, porque a todos os níveis, e então a nível de mentalidades, está mesmo. O que é pena para um país tão lindo.

Não peço compreensão. Não peço que se ponham no meu lugar. Apenas exijo respeito. E isto aplica-se seja a quem for. Chega de transfobia! Já chega de termos que levar com as vossas frustrações! Mal ou bem, passável ou não passável sou Mulher e é assim que exijo ser tratada. Obrigada por nada. 

Foto: Clara Azevedo, 2003 - Todos os direitos reservados.