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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

domingo, julho 05, 2015

Amanhã é outro dia (será?)

Acho piada a como, sem sabermos, correm "coisas" a nosso respeito nas nossas costas. Sinceramente, isso não me afecta, a não ser no ponto em que pode prejudicar a minha relação com pessoas que respeito e de quem gosto. Também vou reflectir aqui sobre o que considero ser um tlover e um homem aberto, de cabeça arejada, que se relaciona com mulheres, independentemente de serem cis ou trans.

No outro dia falava com uma amiga ao telefone, e ela, sem se dar conta, referiu que "apesar do que dizem, é minha amiga e gosta muito de mim". Na altura, não liguei muito, confesso. Acho que nem me apercebi bem das implicações do que ela disse, a não ser algum tempo depois. Até me ria disto, se não se tivesse formado uma bolha de interrogações na minha cabeça. Quem anda a dizer o quê de mim. Já muitas foram as pessoas que, nas minhas costas, andaram a espalhar boatos horríveis, e para quem não me conhecia minimamente, acabou por ser extremamente desagradável. Mas soube sempre, por portas e travessas, o que diziam apesar de não saber o porquê. Neste momento não faço ideia do que andam a dizer, mas uma coisa eu tenho a certeza: estou de consciência tranquila e se forem "estórias lindas" como as que já inventaram no passado, ainda mais descansada estou.

Quem me conhece e é meu amigo vai manter-se a meu lado. Quem emprenhar pelos ouvidos isso já não será problema meu e, sinceramente, quem acredita em coisas sobre mim contadas seja por quem for, não merece nem a minha atenção, quanto mais a minha amizade. Assunto encerrado e recado dado à navegação.



Tlovers e homens cis hetero que se relacionam com mulheres trans e cis. Depois de já ter escrito alguns posts sobre o assunto aqui no blog, um post de Janet Mock de há uns tempos atrás fez-me voltar à questão, pois é pertinente entender que uma coisa é uma coisa e que outra coisa é outra coisa.

Tlovers conheci vários. São homens eternamente fascinados com mulheres trans não-operadas, pois a inversão de papeis e a relação sexual com uma mulher com pénis é algo que os fascina mais do que uma relação sexual com uma mulher cis (logo, com vagina). Homens cis hetero que se relacionam com mulheres independentemente do facto de serem cis ou trans conheci um ou dois.

Curiosamente, e como fui conhecendo vários, os tlovers agem segundo uma espécie de padrão. Como se algo estivesse pré-definido e são atraídos apenas por sexo. Logo, nada de relacionamentos sérios. Os outros relacionam-se normalmente tanto com mulheres cis como trans. Convém frisar que, numa sociedade como a nossa, ter um relacionamento assumido com uma mulher trans não é bem-visto com todas as implicações sociais, familiares e de amizade que isto implica. Eu, como mulher trans, estou habituada a ser discriminada e que as pessoas se aproximem de mim já com preconceitos e pré-conceitos do que eu supostamente sou. Um homem que se relacionasse comigo teria que se sujeitar a ser, ele próprio, discriminado apenas por estar comigo.

Nunca tive a sorte, como Janet Mock por exemplo, de encontrar um homem que me aceitasse como sou, e que gostasse de mim o suficiente para se relacionar comigo e enfrentar estas batalhas diárias. Mas a vida é assim mesmo, e não podemos nem pedir e muito menos exigir a alguém que está connosco que se meta na boca do lobo. Ainda por cima, porque muito poucos são os homens que suportam este tipo de pressão constante. (Segundo o post de Janet Mock, nos EUA alguns dos homens famosos que chamaram a atenção por "também" se relacionarem com mulheres trans foram, por exemplo, LL Cool J - da série NCIS Los Angeles e Eddie Murphy).

Não somos nós, mulheres trans, que estamos mal. É toda uma sociedade construída em pilares de uma moral judaico-cristã que está mal. Enquanto se educarem as crianças como se (des)educa que as coisas não vão mudar. O cor-de-rosa para as meninas e o azul para os meninos implica muito mais do que apenas uma estúpida forma de construir o rebanho dos preconceitos. As crianças têm que ser livres para se desenvolverem, e livrá-las de estereótipos que só as vão prejudicar pessoal e socialmente no futuro.

Infelizmente, não vejo muita coisa melhorar. Algumas pioraram até nos últimos anos. Portanto, e apesar de querer ser optimista em relação a estas novas gerações, a minha experiência e o que vejo todos os dias leva-me à conclusão contrária. Há cada vez mais intolerância e falta de respeito por quem é diferente. E eu não sou diferente. Apenas dizem que sim, porque nasci numa sociedade podre e que não tolera a suposta (e inexistente) diferença. Somos todos seres humanos e está mais do que na altura de fazermos o que sempre devíamos ter feito: respeitarmo-nos.

Foto de Pedro Medeiros, 2014; Filtro com a Transgender Pride Flag criada por Monica Helms em 1999 (EUA).