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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

quinta-feira, maio 07, 2015

A perda da inocência

As pessoas são sacanas, más e frias. Mais cedo ou mais tarde, qualquer um de nós se apercebe disso. A divina trindade dos nossos dias é poder-sexo-dinheiro. Através de qualquer um destes pólos facilmente se obtém o outro e isso é o que importa. Aquela teoria, muito discutida aliás, de se nós nascemos inerentemente bons ou maus, não faz sentido num mundo, em que qualquer que seja a cultura ou sociedade, só há desrespeito e violações permanentes daquilo a que chamamos "direitos humanos".



Fui muito ingénua e até naive durante a maior parte da minha vida. Via nos outros boas pessoas, que me compreendiam, que empatizavam comigo, etc. Até que surgiu o momento da minha transição e tive que começar a contar às pessoas mais próximas quem eu era, na realidade. E isto tudo em busca de apoio, carinho, compreensão. 

O que recebi em troca foram virares de cara, conversas de que eu "estava confusa", humilhações, ofensas. E isto da parte de quem me estava mais próximo. Da parte de pessoas que eu julgava conhecer e de quem eu gostava. Foi só aí, aos vinte e tal anos que comecei a aprender. A aprender que as pessoas não prestam, só pensam nelas e no que podem ganhar contigo, dando-se contigo.

Fiz o meu percurso de transição para a mulher que eu sou hoje, e vejo que pouco mudou. O cinismo e falsidade das pessoas mantém-se. O egoísmo e egocentrismo choca-me, na busca incessante que têm pelo seu próprio umbigo. Na minha opinião, ninguém nasce bonzinho e a querer ajudar e ser amigo dos outros. Nós somos animais e isto é uma enorme selva. Como tal, a maioria das pessoas usa tudo o que pode e não pode para atacar. Afinal, sempre se disse que a melhor defesa é o ataque, certo?

Pois. Mas eu nunca fui, nem vou por aí. Tenho a minha natureza, boa ou má, mas de respeito para com os outros, quer concorde ou não com eles, quer sejam bons ou maus. Não me faltem é ao respeito e nem me passem atestados de estupidez. Posso ser muita coisa, e já fui chamada (e continuo a ser) de muita coisa horrível por pessoas que, apesar de algum tipo de ligação, nunca me conheceram, mas mantenho a minha integridade e dignidade impolutas.

É triste perder a minha inocência e visão bela do mundo humano desta forma, mas, para sobreviver, fui obrigada da pior maneira a fazê-lo. Hoje em dia posso estar velha, fanada e feia. Mas isso não é relevante. O que é relevante é que fui obrigada a afastar-me da maioria das pessoas para manter a minha sanidade mental e emocional. O que interessa é que sou eu, ainda, e apesar dos pesares. E é isso, a minha essência como mulher, como ser humano, que os outros, sejam quem forem, têm que respeitar.

E termino esta reflexão com o célebre provérbio português, que o Mourinho "traduziu" para inglês:: "The dogs bark but the caravan passes" (Os cães ladram mas a caravana passa).

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá, Lara :)

Meu nome é Raquel Thomé e sou brasileira.

Vi hoje um vídeo no facebook do SSEX BBOX, um projeto brasileiro que fala sobre a questão do gênero e da sexualidade, e neste vídeo você conta um pouco da história da sua vida e um pouco do que você passou. Fiquei muito curiosa e, por isso, procurei pelo seu nome no google e enfim, encontrei o seu blog. Li alguns textos que você escreveu e me identifiquei com alguns deles.

Eu nasci em um corpo biológico feminino e, pelo menos até agora, me identifico interna e externamente com este corpo. Agora que tenho 30 anos tenho questionado muito o papel da mulher na sociedade atual e me sinto muito violada e desrespeitada, muitas vezes. Não sei como é ser uma mulher trans, mas lendo os seus textos consegui identificar muitos dos seus sentimentos com os meus.

Enfim, resolvi escrever para agradecer os seus relatos e a sua luta pelo respeito de todos os dias. Não te conheço, mas admiro o pouco que vi de você.

Grande abraço,

Raquel Thomé

maio 07, 2015 11:11 da tarde  
Blogger Lara Crespo said...

Olá Raquel,

Muito obrigada pelas suas palavras tão amáveis e por me ter contactado.
É sempre muito bom ter um feedback sobre aquilo que escrevo, e o seu, como mulher cisgénero, com outra experiência de vida e num país diferente é extremamente importante. Principalmente, porque a Raquel sente alguma empatia com acontecimentos e experiências da sua própria vida.
Muito obrigada por tudo.
Um beijo grande,
Lara

maio 08, 2015 9:03 da tarde  

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