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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sábado, fevereiro 15, 2014

O amor é terno e eterno

O amor surge inexoravelmente ligado à alma humana. Desde sempre que este sentimento é referido quando se trata do ser humano, seja nas canções, seja nos poemas, seja nas palavras que os enamorados sussurram ao ouvido um do outro. O amor faz parte da vida, dizem. A morte também. Afinal o que é o amor?

Eu não sei o que é o amor, no sentido amoroso do termo. Sei o que é amor por um amigo, amor por um pai ou uma mãe, mas não sei o que é sentir amor por outro que também o sente por mim. Aliás, acho que toda a estória do enamoramento e de tudo o que cerca o amor entre duas pessoas é altamente perturbador e causa ânsia, ciúme, desconfiança, torpor dos outros sentimentos, e afastamento das outras pessoas, coisas nada positivas, na minha modesta opinião.

Nas (muito) poucas alturas em que estive enamorada (não falo em amor, mas sim em enamoramento), sentia aquela faísca, havia aquela atracção, existia aquele torpor mental. Obviamente que esta é a minha experiência, e não quer dizer que seja a dos outros. Afinal, este blog serve única e exclusivamente para eu escrever sobre mim e sobre as minhas visões, reflexões e experiências neste mundo. É-me indiferente que pensem ou afirmem que este é um acto egoísta, de vitimização, ou de algo do género. É para isso que serve a caixa dos comentários.

Eu acho que muita gente confunde o enamoramento com amor. Enamoramento é um estado de pulsões, é uma paixão inflamada pelo início dos sentimentos. Amor é, supostamente, um sentimento mais definido, calmo, sereno, em que já não há a explosão e combustão que o enamoramento nos dá. O facto de ontem se ter comemorado o dia dos namorados ou de S. Valentim, levou-me a pensar e repensar um pouco o que tem significado o meu amor na vida dos outros, e o amor dos outros na minha.
 
 

Sei que já amei (no sentido amoroso do termo, agora). Não sei se alguma vez me amaram. Se alguém realmente me amou, nunca o disse ou expressou. Enamoramentos tive alguns. Aquela força arrebatadora que me levou a cair nos braços dele e ele a abraçar-me e beijar-me, sim, claro que já me aconteceu. Mas rapidamente acabou. Ou porque queimou depressa demais, ou porque é mesmo assim, ou porque o enamoramento é isto mesmo. E nunca ficou amor.

Não escrevo isto com amargura. Nunca estive realmente aberta aquilo que se chama amor, acho. Tenho medo de me entregar, tenho medo de ser magoada, sou humana, chiça! No final disto, fujo a sete pés de algo que pode (ou poderia) transformar-se em algo mais. Por isso fiquei-me (apenas) pelos enamoramentos, como se se tratasse de algo mais inócuo. Algo que não deixa marcas. Algo que começa e acaba assim, sem mais nem menos. Obviamente que estava enganada.

Ficaram marcas de algumas pessoas. Ficou mágoa, ficou tristeza, ficou humilhação. E se o enamoramento é isto, então que dizer do amor? Não sei, nem me cabe a mim dizer ou escrever nada. Não passei por essa experiência. Passei e passo pela experiência de amar uma mão-cheia de pessoas, a família que escolhi para mim. Mas esse é outro tipo de amor. É incondicional, como todos os amores, mas não tem a atracção sexual que implica o enamoramento e a paixão. Prefiro assim. Absolutamente inócuo.

Convém não esquecer que a minha "condição" de mulher transexual põe e sempre pôs travões numa vida amorosa saudável. Admiro as mulheres trans que conheço e que conseguiram (e conseguem) manter e ter uma vida amorosa estável, saudável e bonita. Talvez também tenham tido alguma sorte nas pessoas que escolheram para amar. Eu nisso, como em tantas outras coisas, confesso não ter jeito nenhum. Também sei que é difícil para qualquer mulher, que as mulheres cisgénero também se queixam do mesmo. Pois queixam. Pois claro que é difícil para qualquer mulher. Mas no nosso caso ainda é mais difícil.

Porquê? Porque, como mulheres trans, temos que lutar contra esse estigma do que é ser-se trans, temos que combater preconceitos e pré-conceitos e a discriminação diária. Logo, se alguém se aproxima, ou tenta, é natural que nós estejamos bem mais de pé atrás do que uma mulher cisgénero que não tem que passar por nada disto. Há aquelas que aproveitam o próprio estigma e estereótipo para irem tendo uma vida amorosa, apesar de me parecer que não se sentirão muito felizes ao fim do dia. E há aquelas que, como eu, se afastam de tudo o que possa ter a ver com a palavra "amor" e se tornam inócuas, assexuadas, e sim, muito provavelmente, bacocas.

O amor é algo que exige de nós muita coisa que não estamos dispostos a dar. Provavelmente a recompensa será um bem-maior, mas aquilo que ganhamos pode não superar o que perdemos. Não estou aqui a julgar ninguém, muito antes pelo contrário. Estou apenas a verbalizar o que me passa pelas células cinzentas. Há quem ame sempre a mesma pessoa ao longo da sua vida, e há quem ame cem. Também sabemos que o príncipe encantado e a princesa encantada não existem a não ser nos contos infantis. Então porque é que umas pessoas "têm sorte no amor" e outras não?

Provavelmente por tudo aquilo que já aqui escrevi, talvez porque há quem nasça para isso e outras não, talvez porque, como se diz, cada um de nós tem a sua alma-gêmea e ela estará algures no mundo. Confesso que esta ideia me agrada. De ter uma alma-gêmea. Posso, ou não, encontrá-la e ela a mim.

Mas acho que o que realmente importa é termos os nossos momentos de felicidade. E aí, para mim, o amor é secundário. Aliás, o amor amoroso não entra sequer. Talvez um dia vos escreva precisamente o contrário (o que duvido), mas por agora a minha vida é mesmo assim: não tenho esse tipo de amor, não me diz nada, e não o vejo a fazer parte da minha vida.

Para quem "oh, l'amour c'est l'amour" só tenho que me sentir feliz porque, em tantas partes do mundo e entre tanta gente ele existe. E existe porque o amor é eterno.
 
 
---> Fotografia de Clara Azevedo - Todos os direitos reservados.