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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sábado, agosto 03, 2013

"Para cada panela há um testo". Será mesmo?

 
 
Sempre ouvi dizer que "para cada panela há um testo". Pelos vistos, ou há testos a menos ou panelas a mais. Ou, por outro lado, há pessoas que não têm direito a um testo. Aponto mais para esta última hipótese.

Há vários anos atrás, um amigo, numa conversa sobre relacionamentos, amores e coisas que tais, afirmou-me que, se eu não fizesse a cirurgia de correcção de sexo muito dificilmente conseguiria encontrar alguém que se quisesse relacionar comigo.

Aquilo ficou a ribombar-me na cabeça ao longo de todos estes anos, e apesar de ele próprio reconhecer, hoje em dia, que disse um disparate, que isso não tem nada a ver, continuo a ter as minhas dúvidas.

Uma mulher transexual não-operada pode ambicionar, no máximo, uns relacionamentos esporádicos, pois aquilo que os homens procuram nela é precisamente sexo, sem compromissos, nada mais. Uma mulher transexual operada já pode ambicionar mais. Já pode ambicionar um relacionamento sério, pois não só a sua mente está plenamente de acordo com o seu corpo, como qualquer homem que goste minimamente dela a vai aceitar muito mais facilmente.

Num tempo não muito longínquo, uma pessoa também me disse algo, neste caso especificamente sobre mim, que era que eu afastava quem se tentava aproximar de mim. Que eu tinha um bloqueio emocional. Que tinha medo de me sentir feliz, de me sentir bem. Como se me sentir incompleta fosse algo que fazia parte da minha zona de conforto.

Parece contraditório, e não digo que não o seja. Afinal, sou tão estranha, incongruente e frágil como qualquer outra pessoa. Mas sim, talvez eu não saiba lidar com a aceitação de alguém-um-pouco-mais-que-estranho e que mostre interesse em mim. Estou habituada ao estigma. "Já foste homem", ou "és homem mas com mamas", ou o famoso "já és operada?".

Ou seja, passei toda a minha vida após ter-me assumido sempre a ser questionada sobre o que tenho no meio das pernas, a ser assediada para sexo, a não ser respeitada nem como mulher, nem como ser humano. E a minha zona de conforto não me permite deixar que alguém entre.

Resumindo, sou uma panela sem testo. Ainda para mais agora, que fisicamente a minha aparência não é das melhores, principalmente quando abro a boca.

Não tenho medo de morrer. Tenho medo é que a reencarnação exista mesmo, e que eu reencarne ou na mesma vida e tenha que passar por tudo isto outra vez, ou que seja um inferno ainda pior.

As pessoas de quem gostei destruíram-me sempre. Fosse amor (não sei se era), fosse paixão, fosse carinho, conseguiram sempre minimizar-me a lixo. Não escrevo isto como forma de desculpar a minha autodefesa contra quem se tenta aproximar, mas sim como uma realidade emocional. Aquilo que eu senti. E senti-me lixo. Apenas não quero sentir-me lixo outra vez.

A minha esperança profunda é que a reencarnação não exista e aí já me sinto mais calma, pois vem o clássico: "As meninas boas vão para o Céu, as más vão para todo o lado".

Ah, e aí vou-me sentir tão bem, tão livre! Vou estar em todo o lado!
 
---> Make Up Artist e fotografia: Pedro Miguel Silva/2012