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Sou uma mulher transexual de Lisboa, Portugal, onde nasci e cresci. Neste espaço poderá encontrar pensamentos, reflexões e comentários inerentes à minha vida como mulher trans. Seja benvind@ ao meu cantinho.

sábado, dezembro 22, 2012

Ninguém suporta a verdade

Num momento em que um ano termina e já está aí a chegar outro, confesso que vários assuntos me passam pela cabeça e sobre os quais quero e hei-de escrever.
Mas há um que me tem "martelado" a cabeça desde há bastante tempo e que tem a ver com sinceridade e honestidade, mais concretamente com o facto de dizeres ou não a verdade, independentemente das consequências.

Exemplo: conheces alguém e vais-te apercebendo das qualidades e defeitos dessa pessoa, e de que essa pessoa poderia e provavelmente deveria limar muitas das arestas que possui. Será que deves dizer-lhe o que achas? Será que deves omitir o que pensas e sentes, apesar de isso te perturbar?

Eu confesso que tenho um grande defeito: sou sincera e digo aquilo que acho que devo dizer, e que considero ser uma verdade para mim. Resultado: as pessoas ficam chocadas, ofendidas, melindradas, porque, no fundo, ninguém gosta da verdade, ninguém a quer enfrentar, ninguém quer lidar com ela.

Podia facilmente encontrar aqui "n" exemplos de situações e explicar porque não se deve dizer a verdade, ser sincera, com as pessoas.
Mas vou dar apenas mais um. Tu és uma pessoa com qualidades e defeitos como qualquer outra, mas tens noção dos teus handicaps e quando conheces alguém que não seja apenas um conhecimento de passagem, decides abrir-te e seres tu a contar a verdade. Errado. Totalmente errado.

Não podes, nem deves nunca, mas nunca ser sincera. Mesmo neste último exemplo em que és tu que dizes a verdade sobre ti, em que és sincera sobre ti. Em que és honesta. Pois é, amiga, acabaste de estragar tudo. A pessoa vai entender isso como fraqueza, falta de amor-próprio, falta de auto-confiança tua, e vai-se afastar.

Ninguém suporta a verdade, mesmo que seja a verdade dos outros.

Ou seja, num mundo em que tudo é encenado, não deixamos nunca de ser actrizes e actores de farsas que nos obrigam a representar. Afinal, foi assim que fomos educados. A representar numa sociedade em que tudo é falso. Talvez por ter nascido como nasci, transexual, e ter passado pelas experiências que passei me tenha ajudado a destruir grande parte desse super-ego, dessa censura, e me tenha tornado "desbocada" para a maioria esmagadora das pessoas. Eu encaro isso como ser verdadeira e honesta.

Mas não há dúvida que para sobreviveres e conseguires o que queres na vida tens que mentir, omitir, falsear e representar algo que não és.
Lamento, mas eu não sou capaz, eu não sou assim. Se calhar por isso me isolei, porque não suporto duplas-faces e se quisesse continuar a representar tinha ido para actriz a sério.

Esta é apenas uma pequena reflexão. Vou tentar deixar mais algumas por aqui nos próximos tempos. Sempre me ajuda e pode ser que ajude alguém a ver-se reflectido neste espelho que eu (também) sou.

3 Comments:

Blogger Dri, a sereia said...

Concordo em gênero, número e grau contigo, Lara, a verdade é uma pílula amarga de engolir para muitos, aliás a maioria. Como você, adoro sorver do néctar da verdade, doa a quem doer, até porque a verdade constroi ou no mínimo leva a reflexões. Contudo, tenho usado uma norma desde sempre para dizer as verdades em que acredito: só as digo a quem amo, a quem considero como amigos ou muito próximos, como os de minha família, porque dizê-las nos faz despender muita energia e por isso jogar pérolas ao vento pode nos exaurir, nos privar de parte da energia vital de que tanto precisamos, além de não contribuir a nada perante alguns e às vezes só nos aborrecer. Por fim, adoro entrar aqui de vez em quando porque adoro tuas reflexões e teu modo impecável de escrever, embora às vezes com um ar bastante melancólico, como o da Clarice Lispector (aliás, as tristezas dão as melhores músicas e os melhores textos). Beijinhos dos trópicos.

janeiro 07, 2013 12:08 da manhã  
Blogger Lara Crespo said...

Olá Dri,
Foi muito bom receber o seu feedback sobre o meu post e saber que vc ainda passa por aqui de vez em quando.
Muito obrigada pela sua visão externa do que escrevo e partilho, apesar da melancolia, mas ela é a minha companheira.
Espero que vc esteja bem e a sua vida correndo o melhor possível.
Beijinhos e apareça sempre,

Lara

janeiro 08, 2013 12:14 da tarde  
Blogger Sandra M. Lopes said...

Forma e conteúdo!

O problema da "mentira constante" é que requer uma habilidade e uma memória fenomenais; quanto mais se mente, mais difícil é seguir o "fio à meada". A certa altura cometer-se-á o erro fatal de se ser apanhado nessa mentira. Quando isso acontece, essa pessoa nunca mais voltará a ganhar o respeito que (eventualmente) pudesse ter tido: quem mente uma vez, pode mentir outra.

Mente-se essencialmente por se acreditar que assim se consegue alguma tranquilidade, alguma felicidade, ou quiçá mesmo uma vantagem qualquer. Mas mais cedo ou mais tarde vai-se descobrir que não é assim: tudo isso é temporário e desfaz-se em fumo no dia em que se é "apanhado" na rede de mentiras. E o que fazem a maioria dos mentirosos compulsivos? Em vez de "aprender a lição", voltam a fazer a mesma coisa: mentir mais e mais.

É um círculo vicioso: quanto mais se mente, mais se é apanhado na mentira, e julga-se que mentindo ainda mais, "correr para a frente", resolve a mesma coisa. Como disse uma certa autora, décadas atrás, numa frase incorrectamente atribuída a Einstein: "Insanidade é repetir a mesma coisa vezes sem conta e esperar que o resultado seja diferente." O mentiroso compulsivo é insano sem o reconhecer.

A verdade não "sofre" do mesmo mal. É certo que pode magoar quem a escuta: mas a culpa não é de quem diz a verdade, é de quem, vendo a verdade revelar-se à sua frente, vê o seu castelo de cartas mental desmoronar-se todo, e sente-se mal com isso. Por isso, reage mal — rejeita a verdade — entra em chantagem emocional ("se me amas, porque me dizes essas coisas horríveis?"). Tudo numa tentativa desesperada de tentar criar, na mente dos outros, uma imagem de uma pessoa não existe. Mas está de tal forma agarrada a essa auto-imagem construida que qualquer coisa que revele que é uma estátua de pés de barro a faz tremer de medo. Por isso foge da verdade. Mas a culpa não é de quem a expôs.

Agora, é certo, há formas de apresentar a verdade que são mais ou menos "dolorosas". Gritar com outra pessoa, "tu és um idiota!!" — por mais que seja verdade! — não é "dizer a verdade". É ser-se mal educado. É mostrar-se ao outro que não se tem o menor respeito por ele, que só nos interessa a nossa opinião, a nossa forma de ver as coisas. Apesar de se estar a dizer a verdade... está-se a fazê-lo também para apaparicar o ego: "olha para mim, que sou tão inteligente, que não me importo nada de dizer que os outros são idiotas, quando isso é verdade". Não se devem esperar alvíssaras quando se diz a verdade com o único objectivo de obter alguma satisfação pessoal — de forma acutilante, mal educada, desagradável — ficando-se no fundo contente por fazer desmoronar o castelo de cartas da outra pessoa. A verdade, dita assim, não serve de nada. É tão má como a mentira, pois partiu do mesmo tipo de má intenção: não a de beneficiar o outro expondo-lhe a verdade, mas sim a de apaparicar o nosso ego e tornar-nos orgulhosos por sermos tão inteligentes.

O mesmo exemplo — "tu és um idiota!" — pode ser dito de outra forma, se o objectivo for dizer a verdade de forma a que a outra pessoa beneficie disso. Dizer-lhe, por exemplo, que "se calhar as coisas não são como pensas" ou "talvez não tenhas toda a informação que precisas", num tom de voz calmo, solícito, agradável... é outra coisa. É boa educação. É mostrar que respeitamos a outra pessoa (mesmo que seja idiota!). É mostrar que podemos fazer chegar a verdade sem usar agressividade verbal.

Por isso... não concordo contigo, Lara. A não ser que o teu texto seja subtilmente irónico. Se sim, peço desculpa: é que eu sou, de facto, uma idiota...

fevereiro 01, 2013 1:21 da manhã  

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